Edifícios de madeira revolucionam construção civil

No segundo semestre, será inaugurada a primeira grande fábrica nacional de madeira engenheirada, inovação que está revolucionando a construção civil mundial e tem ganhado espaço também no Brasil. O mass timber, como é chamado o material internacionalmente, já é produzido por aqui, mas em menor volume. Com a nova indústria, chegará ao mercado em larga escala.

Trata-se de uma solução que une tecnologia e sustentabilidade. Um resgate da madeira como matéria-prima nas edificações, mas agora beneficiada com avançados processos industriais, resultando num sistema de alto desempenho que substitui o uso de concreto e aço em elementos como lajes, vigas, pilares, coberturas, paredes e treliças.

São placas feitas de camadas de madeira maciça sobrepostas, moldadas de forma precisa para cada projeto, já com encaixes, furações e afins. É como um Lego em grandes dimensões, que pode ser utilizado em praticamente todo tipo de edifício, de até 40 andares, em sistemas híbridos ou compondo integralmente a estrutura.

A primeira grande fabricante do país será a Urbem, empresa da Amata. “Identificamos essa oportunidade há uns 5 anos”, conta a CEO da companhia, Ana Bastos. “O material tem muitas vantagens. Porém, para fazer realmente uma diferença ambiental relevante, vimos que era necessário escala, e com competitividade”.

A indústria terá capacidade produtiva de 100.000 m³ por ano, o equivalente a 500.000 m² em área construída, e usará como matéria-prima o pinus, proveniente de florestas plantadas certificadas.

Serão fabricados três produtos: o CLT (sigla para Cross Laminated Timber), o MLC (Madeira Lamelada Colada) e o S4S Urbem Class.

As operações começam no segundo semestre, com entregas regulares a partir de outubro. Por enquanto, os primeiros equipamentos, de alta tecnologia embarcada, comprados na Europa e no Canadá, estão chegando à planta, que fica em Almirante Tamandaré, no Paraná.

Um caminho para a descarbonização

Considerada o futuro da construção civil, a madeira engenheirada traz ganhos ambientais significativos, apresentando-se como uma das grandes soluções para reduzir o impacto das atividades do setor, especialmente com relação às emissões de carbono. 

A madeira é uma matéria renovável e, mais importante, que absorve CO2. Segundo a Urbem, cada metro cúbico de mass timber retira 1 tonelada de carbono da atmosfera.

“Em comparação com outros materiais que vão entrar na edificação, a diferença é enorme. Você sai de opções que emitem CO2 para outra que captura. E o mais sensacional: esse carbono fica estocado, preso naquela edificação”, ressalta Ana Bastos.

A arquiteta Ana Belizário, Gerente de Projetos e Novos Negócios da empresa, lembra que a sustentabilidade no setor esteve muito focada, nos anos 1990 e 2000, no uso e operação dos edifícios, que envolve estratégias de diminuição de consumo de energia e água, por exemplo. Mas, de uns anos para cá, os materiais também estão em discussão.

“É muito importante essas duas agendas se juntarem. Hoje, na questão carbono, mexer na materialidade das edificações é praticamente o único caminho para mudar o lugar da construção civil como grande emissor”, diz.

Canteiro de obras mais produtivo

O modelo construtivo da madeira engenheirada carrega também outros atributos relacionados à produtividade, que no fim das contas são revertidos em mais ganhos de sustentabilidade.

Numa construção com o material, tudo é predeterminado no desenvolvimento do projeto e na fabricação das peças, que depois são levadas ao local apenas para montagem. O sistema muda completamente a dinâmica do típico canteiro de obras no Brasil, ainda pouco industrializado.

“A operação de canteiro fica fácil. A ideia do sistema industrializado é uma inversão de energia: tirar do canteiro para gastá-la no projeto e na fabricação”, esclarece Ana Belizário. Isso resulta em uma redução de até 50% do tempo de obra.

“Além disso, há menos resíduos, é preciso menos colaboradores, essas pessoas têm uma condição de trabalho melhor, é possível ter múltiplas obras ao mesmo tempo, são menos caminhões rodando pela cidade… A madeira também é mais leve (pesa um quinto do concreto), o que economiza material na fundação. Ou seja, são diversos benefícios de engenharia com impacto ambiental”, explica Ana Bastos.

Segundo a CEO da Urbem, no fim, o custo de obra é semelhante aos sistemas convencionais, mas com uma série de vantagens socioambientais além do fator financeiro.

Para ilustrar a rapidez da montagem, um exemplo é a residência estudantil da Universidade de British Columbia, no Canadá, construída em 2017 em sistema híbrido. A estrutura de madeira, de 18 andares, levou apenas oito semanas para ser montada.

Mercado em expansão

Globalmente, o mercado de mass timber está em pleno crescimento, acompanhando o aumento da adesão à agenda ESG. Um relatório da consultoria Market Research Future (MRFR) prevê que ele atinja US$ 3,6 bilhões até 2027.

A Europa é o principal fabricante e também o maior consumidor, com destaque para Áustria, Alemanha, Itália e França, atualmente as referências técnicas da produção do material. Paralelamente, Estados Unidos e Canadá têm acelerado a adoção da tecnologia, impulsionando mercados emergentes como o brasileiro.

“À medida que o mercado externo se amplia, os interlocutores do Brasil também vão ficando cada vez mais seguros. A entrada forte dos EUA na madeira engenheirada em edifícios multipavimentos mudou bastante o tabuleiro. O investidor brasileiro está vendo no movimento americano a última chancela para o uso da tecnologia”, destaca Ana Belizário.

Por aqui, o primeiro prédio multipisos com estrutura inteira de CLT foi inaugurado há pouco mais de um ano em São Paulo. O edifício de quatro andares e 1.500 m² – uma loja da chocolateria Dengo – foi um marco para esse inovador modelo, abrindo caminho para novos projetos.

Interesse das construtoras parece não faltar. Entre 2017 e 2019, a Urbem avaliou o equivalente a 50 mil metros quadrados em projetos. Em 2020/2021, já sinalizando o amadurecimento do mercado, houve um salto: foram 1,2 milhão de metros quadrados em projetos avaliados pela empresa.

“Ainda não existe um mercado no Brasil, porque nos produtores nacionais, na tecnologia que existe hoje, os custos são muito altos. Mas vimos que o setor estava pedindo, carente de boas soluções para a questão da descarbonização e para a produtividade. Esperamos abrir esse espaço”, finaliza, entusiasmada, Ana Bastos.

Texto do site da EXAME. Disponível aqui.